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Polvilhar o Instagram com linhaça e chia

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Leite de soja, porque o leite de vaca é porcaria, iogurtes de soja porque os outros fazem mal, papas de aveia ao pequeno-almoço, porque cereais açucarados são prejudiciais à saúde – os cereais de chocolate equivaliam ao aquele-que-não-se-pode-pronunciar-o-nome -, pão integral porque o branco é pior que bolachas. Estas sempre foram expressões comuns em nossa casa e já lá vão vinte anos. Mas não só. Um regime alimentar variado e saudável sempre foi o mote que guiou os cardápios realizados pela minha mãe e, como crianças que éramos, detestávamos quando nos obrigavam a comer um abundante prato de sopa todos os dias ao almoço e ao jantar (só para acrescentar que a sopa não tinha batata). E por saudável entenda-se a exclusão peremptória de fritos – nem sabia em que consistia uma fritadeira até há bem pouco tempo -, enchidos, sumos, chocolates, gomas e afins. Até as sobremesas eram, como lhes chamávamos, falsas porque, ou não tinham os ingredientes exatos e nas quantidades que as receitas exigiam, ou eram retiradas de um grande livro de receitas vegetarianas – semi-frio de bolacha Maria e alperce, leite de creme de soja, bolo de noz com natas de soja, crepes de leite de soja e água, e a lista continua.

Por ter sido educada sempre neste regime, que motivava queixas típicas em crianças que não entendiam a razão de não puderem comer o mesmo que os amigos – até aqueles leites achocolatados da escola primária nos foram negados -, nunca entendi onde residia a novidade dos produtos das secções “saudáveis” dos supermercados. Até me lembro de quando começou a ser possível comprar leite de soja na gama de supermercados Continente, porque até essa data a minha mãe dirigia-se a uma grande cidade para comprar todos esses produtos que agora parece que invadiram todas as famílias portuguesas. E as redes sociais.

Sementes de linhaça, girassol, chia, goji e todas as sementes que se podem ver a enfeitar os pequenos-almoços de hoje nas fotografias do Instagram sempre existiram e os seus benefícios sempre foram conhecidos, mas só os meus pais as comiam porque cá nós fazíamos birra. E grande birra era no dia que a sopa era de missô (característica da cozinha japonesa) e essa até hoje me recuso a comer. Penso que não voltarei a repetir a jardineira de seitan, não lhe guardo boas recordações; em contrapartida, já cozinhei várias vezes tofu e a lasanha e a pizza vegetariana eram pontos altos do mês, assim como a açorda de beringela, que foi uma invenção merecedora de aplausos. E já por algumas vezes comprei “tamari”, o conhecido molho de soja.

Esta lista de alimentos se calhar, atualmente, é do conhecimento da maior parte das pessoas, mas há vinte anos, quem os consumisse recebia comentários como por exemplo “esquisitos”, “não sabem como é bom um bife” – e esta frase dava para várias ementas, como cozido à portuguesa, arroz de cabidela, bacalhau com natas e afins -, ou “a comer assim nem forças têm”. E ainda posso acrescentar a expressão escandalosa que faziam se numa conversa calhasse de comentar os benefícios de deixar num jarro de água beringela cortada aos pedaços. Hoje somos bombardeados com receitas detox e seus derivados. E só para que conste, a celulite e a barriga não desapareceram milagrosamente.

“Não metas tanto sal”, “não metas açúcar no chá” – na verdade era moscavado -, “só se deve comer um pedaço de carne do tamanho da palma da mão”, “o prato de comida deve ser colorido” – legumes ou salada, sendo estes de maior tamanho, leguminosas e proteína -, “bebe água” são exemplos de outras frases que também se ouvia frequentemente em casa. E há muito tempo que água morna com gotas de limão em jejum era prática recorrente.


Se esta alimentação teve consequências? A resposta é afirmativa. Se foram positivas ou negativas? A resposta é subjetiva. Nunca excedemos o peso recomendado, no entanto, não somos imunes às doenças. O segredo pode estar no balanço entre o que se gosta e o que nos faz sentir bem, mas há uma certeza: por muitos estudos que saiam, por muitos textos que se escrevem sobre super-alimentos, não nos vão retirar a qualidade de mortais. Nem nos vão fazer emagrecer do dia para noite aqueles quilos que achamos que temos a mais. 

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